segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Anti-Samba do Ela-Lírico

Ela passou pela rua, fingindo que não via ninguém. Como naqueles sambas bons, antigos, e suas contemporâneas e deslavadas imitações.

Não que ela se assemelhe às musas dos sambistas. Nem de samba ela gosta. No máximo um Chico Buarque.

(Mas não nos apronfudemos nesse jaez de polêmica.)

E ela me viu. Sei disso porque ela deu aquele sorriso, misto de prazer e desdém. Como nenhum sambista conseguiria descrever, já que esse sorriso é só dela. E só para mim.

Demorei três segundos decidindo se eu a seguia ou não. Atípico dos sambistas das letras, que são bem mais decididos do que eu. E, antes que eu a alcançasse, ela já havia destruído quatro corações.

(De caras que, certamente, nem de samba gostam.)

Chamei, enfim, por seu nome. Ao contrário desses sambas, ela tinha um nome. Percebo agora que as mulheres desses sambas não têm nome de propósito. Só p'ro compositor poder dedicá-los à primeira que aparecer.

Aproveitei o tempo que ela passou decidindo-se entre parar ou não para chegar bem perto e fitar seus olhos. E ela atreveu-se a esboçar um tímido sorriso. Bem diferentes daquele sorrisão que uma mulata letra-de-samba daria.

(Sim, ela é tímida. Como as musas dos sambistas não são.)

Destoando do malandro da canção, eu não dispunha de frases feitas quando a abordei. Ainda bem, porque sei o quanto ela as detesta.

E conversamos despretensiosamente, para a ruína dos quatro corações partidos que presenciavam um cara sem-graça como eu fazendo sorrir uma garota tão linda. Num samba, isso não aconteceria.

(Eu teria que “ganhá-la” como prêmio de um “desafio” qualquer.)

Eu a beijei. Engraçado como o malandro de um samba não beija. Ocorre um hiato entre a conquista no boteco e a cama do barraco.

E, enfim, nos beijamos. E chovia. Mas não saímos do lugar, ao contrário dos quatro corações partidos que foram não-ouvir samba em outro lugar.

(Engraçado como também não chove em sambas. Os sambistas devem associar chuva à tristeza. Coitados.)

Foi quando, tardiamente, percebi. Não é samba, coisa nenhuma.

É o nosso não-poético, sem-graça, nada-climático e maravilhoso amor.

Lá, laiá.)


Carpe Diem. Amo vocês.

Um comentário:

  1. Eu queria saber quem é essa musa que tanto te inspira! Mas você vai me dizer que esses textos não são para alguém, eu sei disso... Hahahahaha!!!
    E cada vez mais eu admiro essa tua maneira de escrever!
    Beijos!

    ResponderExcluir