Noto a recente mancha de vinho do Porto que criei no tapete. Nunca fui de encher a taça até a borda. E noto que minha boca tem tamanha aridez que a bebida seca e quente, na verdade, me refresca. Que meus ânimos estão ácidos a ponto de sentir um sabor doce na dionisíaca dádiva.
Creio que seria bem-sucedida se realmente houvesse um concurso para eleger a mulher mais estúpida do cosmos. E percebo que só penso dessa maneira hiperbólica quando embriagada.
Olho a foto dele no monitor. Agora tem dois filhos. Dois motivos que me dou para fazer com que ele nem se lembre mais que existo. Acendo um cigarro. Mudo momentaneamente de assunto. Marejo. E finjo não sentir a tremedeira nas pernas e o frio na barriga.
Engraçado que eu acho que tudo seria diferente se, oito anos atrás, eu tivesse ido àquele jantar de reencontro do pessoal do escritório. Se eu acreditasse de verdade nas entrelinhas que via nas mensagens enviadas. Se cresse que ele não queria dizer “não” quando me disse “não” em nosso último dia. Se eu ligasse mesmo para ele nas madrugadas em que a vontade surgia. Se eu não tocasse nos assuntos que toquei. E sinto-me ridícula após isso, porque em todos os momentos fui autêntica. Penso que se eu tivesse sido um pouco menos eu, poderia ainda tê-lo.
(E, por isso, sinto-me ridícula novamente.)
O que se acerta após esse malsão sentimento? Nega-me o encontro, ao fazer-me querer negá-lo. Envergonha-me orgulhar querer a fuga. Abraçar o ataque e inquietar ante o conforto.
Resenho. Resumo. Ficho. Explano e justifico. Escolho o lado e torço manter a posição à hora da verdade. Hora essa que nunca surgirá porque eu não vou deixar.
Nem mesmo para mim.
Carpe Noctem.